sábado, 24 de abril de 2010

Alguém que esteja desse lado com problemas semelhantes seguramente que se questiona se eu por acaso não pensei em levar medicamentos para tomar caso me sentisse mal durante a viagem. Pois bem, é verdade que pensei nisso e curiosamente quase abandonei esses pensamentos à medida que a data de voar se aproximava. Para quê "estragar" tudo quando o processo já vinha sendo longo? A importância do momento está em vivê-lo, independentemente do estado físico ou emocional. Vivê-lo tal como é. Se o medo surgir, primeiro tomar consciência do mesmo e depois deixá-lo estar! Portanto, cada vez mais tinha a certeza que levar remédios para bordo seria regredir e, no fundo, não estaria a ser verdadeiro para comigo mesmo. Se até então nunca tomara medicamento algum, porque seria agora que o faria?
Reconheço que este tipo de consciência e confiança é porventura arrojado para certas pessoas, até porque podem estar dependentes de medicação. O meu maior conselho neste caso é para deixarem a medicação de pronto, uma vez que esta apenas serve de máscara para uma consciência da realidade tal como ela é. A medicação apenas atrasa o verdadeiro processo de superação da dificuldade e ignorância. Gostaria imenso que todas as pessoas que sofrem de desordens psicológicas relacionadas com fobias e medos não tivessem sequer a tentação de começar a tomar medicação como forma de recuperação. Também julgo que o erro em parte pode estar do lado do psicólogo por facilmente permitir o uso de tais substâncias, em vez de sugerir um processo faseado de procura da origem do problema, consciencialização e superação do mesmo.
Entrei no avião e fui prontamente cumprimentado pelo comandante do avião e hospedeira. Jamais esquecerei a cara daquele homem bronzeado, meia idade e sorriso branco leucócito. Procurei o meu lugar e instalei-me. Encostado à janela encontrei uma criatura algo fria, de fora, pouco faladora e penso que aborrecida com alguma coisa. Obviamente que tentei estabelecer contacto afim de me acalmar, uma vez que já estava a sentir alguma excitação interna. Desloquei duas saídas de ar condicionado e direccionei-as para a minha cabeça para sentir algo vivo e confortável. Ela respondeu-me que conhecia bem Madrid, mas remeteu-me rapidamente para o livro que tinha na minha mão como que a sugerir um fecho de conversa. Eu percebi e calei-me até que o avião começou a mexer. Entretanto, não tive interesse pelo vídeo de segurança e foquei-me ora no livro de Madrid, ora na revista de bicicletas. Tudo calado menos o meu coração. Olhei para o lado e seguia um grupo de três pessoas tranquilamente sentadas, em que uma delas até já dormia ("Como será possível já estar a dormir?"). Suavemente o avião começou a andar em linha recta até que um impulso "herculeano" me agarrou ao sítio; estaria agora prestes a tirar os pés de terra firme e partir rumo ao céu e à cidade espanhola. Lembro-me de estar a pensar... "Olha já levantei... e não custou nada", mas afinal ainda estava no chão. Apenas percebi que tinha levantado quando senti uma panóplia de forças agressivas sobre o meu corpo e cabeça. Por breves segundos, perdi totalmente a orientação ou a noção de estar ali sentado devido à "força g" a actuar no meu corpo. Depois disso senti-me estranho em estar a subir para as nuvens e jamais queria olhar para a janela e observar o que se estava a passar. Agarrei-me a frases de confiança que fui absorvendo, como por exemplo a do meu amigo Maurício, e larguei-me de tudo.
Estaria a mentir se afirmasse que fiz a viagem mais tranquila do mundo. Fui sempre alerta pois embora já tivesse voado em 2005, todo aquele espaço parecia novo e por conhecer. De volta e meia, o coração apressava-se mais, como se tivesse a correr para apanhar o comboio prestes a partir, com  um barulho diferente dos motores ou com ligeiro abanar do avião. Fui alternando entre os utensílios de distracção que levava comigo, nunca estando mais de 15mins com um. Estava claramente excitado mas ao mesmo tempo só pensava... "Estou a conseguir, estou a voar e não tarda muito estou em Madrid! Vou conseguir!". Quando o avião abanava um pouco, olhava para a fotografia que guardara dentro do livro do Eckhart Tolle; levei uma fotografia em que constava eu vestido com o traje académico que comprei de propósito para tirar foto com o meu avô, os meus pais e possivelmente os meus dois cães. Olhar e contemplar a minha mãe e o meu pai dava-me confiança para ser forte e enfrentar o meu desafio corajosamente. Tentei por uma ou duas vezes focar os ponteiros do relógio do pulso do homem do meu lado, mas estavam num ângulo em que não podia fazer mais nada a não ser relaxar e esperar para estar em Madrid.
De facto, esta vivência da viagem deu-me uma maior abertura face à impermanência das coisas e a como não podemos desesperar e fomentar pensamentos de querer sair do sítio, desaparecer dali, quando estou num espaço fechado e condicionado. Há que experienciar isso e ficarmos felizes pelo objectivo final de estar ali: neste caso, viajar e conhecer sítios novos. Mesmo que esteja agitado, sei que isso não será permanente e que portanto, primeiro depende da minha, e só minha, interpretação da realidade e, em segundo, depende de causas e efeitos.
Com amor.

Sem comentários:

Enviar um comentário