sábado, 28 de novembro de 2009

Numa das sessões, a Daniela sugeriu-me uma técnica que contribuiu de forma muito clara para a tomada de consciência da minha ignorância. Chamo-lhe ignorância porque quando experimentamos algo de forma não-consciente, isto é, ligando a realidade com os nossos condicionalismos, dependências e apego, não se trata de uma versão fidedigna do que realmente as coisas são. Trata-se apenas de uma distorção, e em que a mudança está sempre disponível aqui e agora, e, portanto, daí o uso do termo ignorância.
Escrever num pequeno bloco de notas tudo o que estiver a sentir e o que me passar pela cabeça assim que estivesse a atravessar a ponte. Este foi o desafio. Segue-se a minha primeira anotação e em que não consegui resistir, começando a escrever assim que me sentei na estação de Entrecampos:

28/04/2009; 20h44

Tomei liberdade de começar a escrever... Vinha a chegar à estação e o bocejar apareceu. Típico e não sei porquê. Vinha a imaginar uma composição na minha cabeça, a imaginar o que iria sentir... O comboio com menos gente dá-me mais calma, não sei porquê! A ideia do comboio parar a meio da ponte veio, assim que ele abrandou um pouco. A cabeça com a pressão normal do dia-a-dia, a habitual.... a pressão! O comboio mais cheio deixa-me mais desconfortável, mas felizmente hoje não é dia. Já senti uma ligeira pressão no peito mas passou com a escrita. Respiro fundo para tentar aliviar ou prevenir a ansiedade... Já passei a última paragem e a ponte aproxima-se. Estando isto presente em mim,este pensamento começo-me a sentir ansioso, a suar das mãos e dos pés, sinto o cintilar, pressão no peito... Muita pressão no peito ao ver as baias do início da ponte... ele abranda e piora... não penso na morte, apenas estou tenso... estou na ponte e a tentar esconder um indício de ansiedade da senhora ao lado; quando penso que passo na ponte fico com pressão no peito; penso no estômago.... aparentemente está a correr bem... e não tentei/pensei em controlar.... bem talvez no início da ponte. Estou suado dos pés!! Sinto agora uma enorme pressão nas pernas, ou melhor, estava muito tenso nas pernas e relaxei de seguida... já passou a ponte, mas agora o que se segue é a pressão na cabeça.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Algo que acho ser comum a pessoas com problemas no geral é o sofrimento em silêncio. É sempre melhor o sofrimento desta forma, porque jamais queremos aceitar que temos algo de errado. A vergonha em fazê-lo é também um inibidor nato do desabafo. Os meus amigos das manhãs de sábado passados a andar de bicicleta na Serra da Arrábida não representavam o meu círculo de amigos mais próximos, e embora sejam mais velhos do que eu (o que poderia ser mais desinibidor), algo me condicionava as cordas vocais.  Eu não fui diferente do comum dos mortais e, portanto, sofri em silêncio e sempre que solicitado, defendia-me com um sorriso mudo, áspero e pesado, afim de demonstrar que estava a adorar o momento. "Epah espectáculo, esta descida foi mesmo brutal! / Adorei este trilho, temos de repetir!"

Passado pouco tempo, interrompi o desporto matinal por já não me sentir confiante fisicamente. A preguiça foi só uma forma carinhosa para esconder o medo que tinha de enfrentar o corpo e a mente frágil. Hoje em dia, posso adiantar que eles continuam sem saber porque deixei de ir andar de bicicleta. Claramente trata-se de uma evidência do poder do ego. Um dia contar-lhes-ei o porquê, e independentemente da sua reacção, o que interessa mesmo é minha revelação e sinceridade para com eles. Eu devo-lhes isso e, acima de tudo, eu devo isso a mim próprio.

O sofrimento silencioso é algo de que se tem plena consciência, qualquer que seja o estado em que estejas. Assim, urge fazer algo para tentar contrariá-lo, uma vez que é através do desabafo que se começa a criar espaço interior muito importante para ultrapassar os problemas. Obviamente que não é preciso andar na rua a fazer publicidade acerca dos nossos sentimentos, pensamentos, dificuldades e carências, mas pode-se começar com aquela pessoa/animal que amamos incondicionalmente. O pai, a mãe, a irmã, a avó, o avô, o cão ou o gato. Falo em animais porquê? Bem sei que não vais obter respostas, mas o simples facto de expulsares cá para fora essa energia negativa, por si só já é um bom começo.

Sugiro a leitura de um livro chamado "Morrer de olhos abertos" da autora Marie de Hennezel para quem se sentir menos confortável com o tema da morte. Foi o primeiro livro que a Daniela Cosme sugeriu-me e foi muito importante, uma vez que me abriu o horizonte e adicionou alguma cor ao tema morte.

domingo, 15 de novembro de 2009

O combinado foi aparecer a cada duas semanas para começar a escavar progressivamente até à fonte dos meus problemas e, assim, descobrir o porquê dos meus medos e fobias. Começei a aperceber-me de que a maior parte dos dias de consulta representavam uma conquista. Nas primeiras sessões lembro-me de que o sentimento pode-se resumir a um certo alívio, embora tivesse consciência que pouco tinha mudado, pois a pressão na cabeça estava constantemente presente e todas as situações e lugares que me faziam entrar em ebulição interior continuavam a ter o mesmo efeito sobre mim. Infelizmente, esse alívio era absurdamente curto, o que estragava totalmente a magia do momento e um sentimento de alegria interior. Como seria possível algo tão simples como apenas falar com uma pessoa, trazer-me, mesmo que por breves minutos, uma paz de espírito inqualificável? Valia a pena investir nisso! E, enfim, como se costuma dizer, de grão a grão, enche a galinha o papo. Posso dizer que foi assim que começei a criar uma certa dependência para com aquela divisão de casa isolada do mundo, bem como daquela presença em frente a mim.

Dei por mim a desejar que chegasse o dia da sessão e, passado pouco tempo, passei para uma frequência semanal às sessões. É engraçado em como os sessenta minutos começaram gradualmente a encurtar: na primeira sessão, existe aquela enorme inércia em dizer o que sentimos e o porquê de precisarmos de ajuda, o que no fundo se resume a abrir o coração; mas depois, tudo fica bem mais fácil, e é realmente apenas nessa altura em que se começa a apreciar o momento e a tomar consciência de determinado tipo de "caixinhas" que constituem a nossa mente.

Na minha opinião a nossa mente tem uma grande quantidade de caixinhas que estão ligadas a determinado tipo de emoções e sentimentos e que se revelam sempre que os nossos pensamentos nos conduzem até elas. Reagimos de uma forma x, sentimos de uma forma y, e vivemos condicionados de uma forma z, apenas porque estas caixinhas estão a ser alimentadas por energia que provém dos nossos pensamentos. Se pensarmos em como somos fracos e indefesos, a nossa caixinha dedicada para isso mesmo, ganha força e sente-se imensamente feliz por estar a receber uma óptima refeição. Por consequência, nasce corpo fora um sentimento de inferioridade, incapacidade, pequenez e vulnerabilidade. Se pensarmos que o elevador que estamos a apanhar pode cair se algo correr mal, a respectiva caixinha, faz com que, eventualmente, o nosso corpo trema ou sintamos uma agitação interior. Tudo depende da existência da caixinha e da energia que permitimos ceder-lhe. Tomar consciência das caixinhas e dos nossos pensamentos representa o desafio supremo para qualquer pessoa que sofre de fobias e medos. Tudo aquilo a que vulgarmente dizemos como, "eu sou", depende da nossa mente e da energia que fornecemos às nossas caixinhas.

O que realmente todos nós somos não pode ser expresso por palavras, porque isso já seria limitar o Ser a uma produção mental de identidade. Mas falemos disto mais tarde.

Com amor.

sábado, 7 de novembro de 2009

Naquele dia especial senti um misto de vazio e determinação. Dei por mim a descer a calçada da Alameda Henriques Dom Afonso, e o que eu mais desejava era perceber o que se passava realmente comigo. Embora fosse só uma sombra que me vigiasse as costas, eu não ia sozinho. A pressão na cabeça lá me acompanhava como sempre tinha a amabilidade de fazer. Não me recordo de ter sentido explosões corporais devido à nova experiência que estava prestes a "viver", mas lembro-me sim de que tinha plena convicção do que representava aquela bela tarde na capital. A porta de ferro estava pintada de verde escuro e por ela, certamente, já passara muitas pessoas, muitos egos desejosos de controlar cada vez mais a mente do hospedeiro. No interior do prédio vislumbrei um elevador à antiga, com aquela grade vistosa e barulhenta. O trinco abriu-se e eu entrei. Lá dentro encontrei uma rapariga. Sentei-me e esperei pelo momento. Na minha cabeça deambulavam pensamentos do género: "Como será a Daniela?", "Que tipo de espaço será?". Tudo naquela divisão da casa apelava a um sentimento de paz e relaxamento. Peguei numa revista que por ali habitava e passado poucos minutos surge a Daniela. "Ângelo?"

O espaço da consulta era pequeno, a cadeira super confortável posicionava-me fulminantemente em direcção à Daniela. Desconhecia o que estava por detrás de mim, contudo conseguia ver um pátio, um pouco baldio, com árvores ao meu lado esquerdo. Senti-me ligeiramente apertado, mas ao mesmo tempo confortável, pois o espaço sugeria um certo isolamento do mundo. Ali eu deveria ser capaz de abrir o meu coração e revelar os meus problemas. O momento tinha chegado e eu estava ali, sentado, diante de uma pessoa que acabara de conhecer e para a qual iria revelar-me. Estranho, não? Sim, estranho. Começámos a falar sobre o que me levava a recorrer à psicoterapia e o que eu esperava das consultas. A pressão na cabeça continuava presente enquanto debitava palavras boca fora e tentava expressar a minha tristeza e angústia. No entanto, de certeza que o sorriso que mantinha na cara não convencia a Daniela de que eu só precisava de uma ajudinha e que no fundo "eu não tinha quase nada". Tratava-se de uma defesa do corpo; eu não queria mostrar fraqueza nem inferioridade. Para mim ir a uma consulta de psicoterapia sempre me fez confusão porque eu era bastante céptico em relação à psicologia e à forma como, apenas a partir do diálogo, alguém conseguia mudar a sua personalidade e ultrapassar problemas pessoais. Fui sincero em tudo que lhe transmiti, mas não consegui deixar de ter consciência da voz na minha mente sempre a tentar controlar o que iria dizer. É mesmo impressionante este fenómeno. É a voz do ego, no fundo. É deveras importante ser-se sincero no que se transmite à pessoa que nos está a estender a mão.

Cada minuto da consulta foi sentido e, curiosamente, aquela uma hora levou uma eternidade a passar. Expor as nossas fraquezas é muito complicado mesmo, mas já estava feito. O primeiro passo foi tomado. Saí do edifício com um sentimento diferente de todos aqueles que tinha vindo então a sentir desde há meses e meses atrás. Não bom, mas diferente. A promessa de voltar daí a duas semanas ficou gravada naquela caixinha interna a que chamamos: desejo!

Tenho imensos pormenores a referir, mas que considero pertinentes num estado mais avançado da minha descrição das consultas.


Com amor.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Num belo dia destes, ganhei coragem e decidi fazer uma pesquisa na internet sobre psicólogos. Sentei-me na minha cadeira preta de dirigente de clube de futebol e lembrei-me de um programa matinal que o senhor Manuel Luís Goucha apresenta. Tinha presente na memória o nome de um psicólogo que aparecera no programa durante os minutos de um pequeno-almoço, e conclui: "Aquele psicólogo para aparecer na tv é porque deve ser muito conhecido!". Enfim, fiz uma pesquisa pelo nome dele no google e segui para a página do Instituto de Psicologia Aplicada e Formação (IPAF). Lá encontrei uma secção com todos os psicólogos inscritos na referida instituição. Obtive de pronto o email de contacto do referido psicólogo conhecido e enviei-lhe um email. Nunca obtive resposta porque a sua caixa de correio electrónico estava cheia. Assim, voltei novamente à pagina do IPAF e desta vez tive o cuidado de verificar que eram muitos os nomes, e que visto não conhecer ninguém daquele meio, a escolha de um nome para contactar teria de ser mais ou menos à sorte. Decidi que teria de ser uma pessoa do sexo feminino, pois talvez fosse mais fácil expor o meu problema. É certo que o psicólogo conhecido é efectivamente um homem, mas algo me empurrava para um nome feminino. Foi assim que, ao passar a lista, encontrei o nome da pessoa que me tem vindo a ajudar imenso neste processo de superação e auto-conhecimento: Daniela Cosme. O apelido ressaltou-me nos olhos e decidi estabelecer o primeiro contacto via-email.
Percebo agora e só agora, a imensidão da tristeza e angústia em que "vivia". O conteúdo do email demonstrava claramente isso:


"Sou um jovem de 25 anos e há sensivelmente um ano começei a sentir bastante ansiedade que eu penso estar ligada com fobias a sítios altos, nomeadamente, pontes e viajar de avião. Sou uma pessoa com uma vida bastante activa e "stressante", e o aparecimento de tais sintomas coincidiram com o final de curso da universidade e com uma viagem atribulada de avião. Não sei se existe necessariamente uma relação causal, mas penso que não deixa de ser relevante dizer. A verdade é que não me sinto nada confortável em voltar a andar de avião e quase diariamente dou por mim com aperto no peito, palpitações, algumas tonturas sempre que passo na ponte 25 de Abril ou penso em andar de avião. Também tenho consciência que por motivos profissionais, mais tarde ou mais cedo, terei de viajar para o estrangeiro, mas anseio por esse dia." 

Curiosamente, a resposta não chegou... Decidi então não fazer outra busca no site do IPAF, mas sim tentar encontrar uma possível página pessoal da Daniela. Havia algo dentro de mim que claramente disse para não desistir. Dei então por mim a ler a sua resposta, mas de um outro endereço de correio electrónico. Combinámos hora e local; e tudo começou...